Venda Casada: improcedente — Parte I.

Se você não se identifica com essa causa, dê uma olhada em venda casada: passagens aéreas.

A venda casada de sistema operacional juntamente com o computador é uma imposição da indústria e incomoda muita gente. Pessoalmente, não acredito que cada pessoa que se sinta prejudicada deva precisar recorrer aos órgãos de defesa do consumidor ou aos tribunais de pequenas causas para simplesmente receber de volta o seu dinheiro. Dessa forma, o abuso nunca vai cessar. O cidadão paciente e persistente o suficiente para ficar sendo enrolado na esperança de talvez conseguir que seus direitos sejam respeitados nem sempre consegue. E quando consegue, que punição recebeu a empresa que desrespeitou seus direitos? A devolução do dinheiro? E que motivo essa empresa teria para parar com essas práticas abusivas?

Por esta razão, não procurei o PROCON. Também por essa razão, não procurei o juizado especial. Entrei com uma ação e exigi, além do meu dinheiro de volta, que fossem tomadas medidas para inibir esse abuso cometido pelos fabricantes/vendedores/m$. Dia 31/01/2013, quase um ano e meio depois de distribuído o processo para a Juíza Dra. Iêda Garcez de Castro Dória, a sentença foi proferida: IMPROCEDENTE.

A sentença foi proferida com base no fato de eu ser alguém que não sou!!! (grifo meu)

Ademais, não se pode dizer que o autor seja uma pessoa leiga no assunto, basta para tanto se observar a petição inicial e demais peças processuais para se constatar que é uma pessoa experiente no ramo de informática, o que despertou curiosidade dessa magistrada que, em consulta, ao Google e à rede LinkedIn, verificou que o requerente é analista de produto Powertrain e Gear Design na Fiat – Chrysler S/A, na localidade de Contagem/MG, com formação em engenharia mecânica e industrial.

A venda casada foi desqualificada com base no fato (inverídico) de eu ser analista de produto Powertrain!!! O argumento é: se eu sou uma pessoa não-leiga, então, não é venda casada, pois eu teria conhecimento do fato de o sistema acompanhar o computador. Ora, se o McDonalds é multado em 3 milhões pela venda casada de brinquedo e sanduíche, de que forma o conhecimento do fato de que o brinquedo não é comestível influencia na configuração ou não da venda casada? Um profundo conhecedor do junk food não poderia alegar venda casada? A venda casada, na verdade é o nome que se dá à prática descrita pelo Artigo 39 do CDC (Código de Defesa do Consumidor — Lei 8.078/1990).

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[…]

Na venda casada, em via de regra, o consumidor SABE que está sendo obrigado a adquirir dois produtos em conjunto. Se não soubesse, nem reclamaria!!!

A juíza diz também

[…] não existindo o equipamento, no mercado, qualquer que seja seu fabricante, sem sistema operacional.

Ou seja, a Dra. Iêda afirma que não existe um computador que seja vendido sem sistema operacional. Não sei de onde ela tirou tal informação! Do “google”, talvez… Aqui está um exemplo de venda de computador sem sistema operacional.

A doutora continua:

O equipamento necessita, para seu funcionamento, de software, e, nem todos os consumidores possuem conhecimentos técnicos avançados e suficientes, para instalar e adequar o sistema operacional. Consumidor com conhecimento técnico, como o autor, é exeção e não a regra.

É importante ressaltar que não busco a proibição de que se venda computador + sistema operacional. O que não pode haver é a obrigação de se contratar um licenciamento de um software específico juntamente com o computador. No texto da ação (PDF), cito vários motivos para que alguém não queira adquirir o software, apenas o hardware. A própria cláusula da EULA do windows, que diz

Usar o software representa a sua aceitação desses termos. Se você não aceitá-los, não use o software. Em vez disso, contate o fabricante ou instalador para conhecer a política de devolução. Você deve acatar essa diretiva, que pode limitar seus direitos ou exigir que você devolva o sistema inteiro no qual o software está instalado.

é uma declaração clara de que o software é um produto separado. Na visão da M$, cabe ao fabricante decidir.

A juíza continua:

Daí porque, apenas no meio técnico desse segmento, com alto nível conhecimento e de forma restrita, discute-se a utilização do denominado sistema operacional aberto e sistema operacional fechado. Para grande massa dos consumidores, no entanto, há necessidade que o equipamento venha com sistema operacional instalado e configurado, sem que haja necessidade de contratação de serviço técnico especializado para sua instalação e configuração.

Em nenhum momento na ação se discute ou não a questão do “sistema operacional aberto”. Não entendi os motivos para a juíza trazer tal assunto para a sentença. Parece que está tentando me desqualificar por eu ter meus valores, e que diga-se de passagem, a sociedade não dá a mínima para eles.

Não há, assim, qualquer prejuízo ao consumidor, […]

É verdade! Não há prejuízo ao consumidor ao qual é dado a opção de adquirir um computador com sistema operacional instalado. O prejuízo existe diretamente apenas quando:
1. Não é dada a opção de aquisição SEM o sistema operacional.
2. O consumidor tem interesse em adquirir o computador SEM o sistema operacional.
E de fato, o prejuízo existe, ainda que indiretamente, para a classe dos consumidores e consequentemente para a sociedade de um modo geral quando direitos individuais não são respeitados e quando uma empresa se utiliza de seu poder econômico para impor seu monopólio.

[…] tanto que não existe notebook, ou mesmo, netbook à venda, sem sistema operacional, justamente, por sua funcionalidade.

Mas essa é justamente a minha reclamação. Estou dizendo que a M$ se utiliza do seu poder econômico e do seu monopólio para impor a “venda casada” a basicamente TODOS OS FABRICANTES! Este é o fato que me leva a mover a ação!!! Há uma certa inversão de valores cometido pela juíza aqui!

Veja, também:

10 Respostas to “Venda Casada: improcedente — Parte I.”

  1. Julgada improcedente: autor de ação judicial de venda casada de PC e sistema operacional diz por que discorda da sentença | Linux Ajuda Says:

    […] prevista na EULA foi ignorada. Minha análise parcial da sentença está nos posts: Venda casada: improcedente — parte I e Venda casada: improcedente — parte II.” [referência: […]

  2. Otto Says:

    Realmente, é uma vergonha essa sentença. Eu já vi o réu querer desqualificar uma ação dessas alegando que o comprador sabia da inclusão do Windows (como foi meu caso), o que já é ridículo. Mas a juíza fazer o mesmo, alegando que o comprador é um expert? E achar uma conta na internet com mesmo nome e sobrenome significa que é a mesma pessoa? Acho que até a cidade é diferente, não?

    Não sei se você soube, mas eu tive ganho de causa na minha ação de reembolso. Se for possível recorrer, acho que você devia fazê-lo. Veja com um advogado se é possível questionar sobre o que tem a ver o conhecimento da pessoa com venda casada, além, é claro, de dizer que o cara que ela mencionou não é você. Pode citar o meu processo também; eu te passo o número, se ajudar.

  3. acassis Says:

    Parabéns pela iniciativa. Eu consegui o reembolso (R$ 167) da Dell, mesmo tendo comprado o notebook via Magazine Luiza. O atendente da Dell (que inclusive me permitiu divulgar seu nome: Tamir Junior, a gravação de voz e os emails trocados com ele) foi super atencioso e resolveu o caso de forma muito eficiente. Devo divulgar as informações sobre este caso em breve. Como outros já falaram, tente recorrer, a juiza usou argumentos fracos para desqualificar seu pedido.

  4. hiltongilGil Says:

    Sinceramente eu espero que você consiga ter seu recurso provido. Até acho que na Justiça Comum é mais fácil de ser melhor analisado. Vi tantas decisões ruins no JEC que simplesmente desistir de mover processos naquele rito. O pior é tratar de ações envolvendo temas que os magistrados não conhecem nada. Quase arrisco a dizer que a sentença foi feita por um assessor ou estagiágio e a magistrada simplesmente assinou sem sequer ler (isso é normal aqui no RS).

  5. Alberto Says:

    Olá você deixou um comentário no meu blog albertoashikawa.com.br, obrigado.

    Vejo que seu caso demonstrou a falta de conhecimento em direitos do consumidor pela magistrada. Ao que me parece ela fez mais alusão ao direito contratual do C.CIvil que a aplicação do CDC.

    Infelizmente o entendimento da juíza está muito equivocado, a venda casada não leva em conta a sabedoria média ou acima da média do consumidor, isso é termo utilizado nas relações contratuais do direito civil, onde recai o princípio que a pessoa não pode alegar a própria torpeza, porém nas relações de consumo o que vale é o princípio da hipossuficiência do consumidor e principalmente da INFORMAÇÃO. E esta não é pressuposto é a a sua expressão por parte do vendedor.
    Este princípio determina que todas as informações sobre a compra, incluindo o que está pagando, devem ser claras, NÃO HÁ RESSALVA se é direcionada à pessoa média ou acima da média.
    Em outras palavras seria o mesmo que negar para mim a entrega do demonstrativo do quanto pago em imposto, já que sou advogado tributarista, pelo pressuposto que eu devo saber quanto recai em cada produto. Absurdo.

    A compra deve ser clara, deve conter informações e cada produto deve haver concordância clara em sua aceitação. Por se tratar de um produto o qual seu custo está embutido não se trata de brinde, portanto, constitui venda casada.

    A chance de ganhar em recurso é muito grande.
    Boa sorte, e sua atitude é louvável, mostra mais uma vez que em assuntos especializados nossos magistrados por ventura derrapam, lido muito com isso, infelizmente esquecem de aplicar o bom senso que é o princípal norteador do direito.

    • André Caldas Says:

      Obrigado pela força, Alberto!

      Achei interessante a questão da informação. Lendo seu comentário pensei no seguinte:
      Se a EULA diz que eu posso devolver o software e pedir o dinheiro de volta, então deveria ser claro, antes da compra, qual é o valor do software!

      Claro que a EULA também prevê que o fabricante pode exigir a devolução de ambos. Mas isso claramente é nulo, já que iria de encontro com os incisos I e IX do artigo 39 do CDC:
      http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm#art39

  6. Ici Says:

    Pode parecer pouco, mas para início de conversa uma campanha para comprar e elogiar as marcas que vendessem seus computadores sem o OS não seria mau.
    Se a maioria das pessoas regeitassem essas máquinas eu queria ver.

    Moral da história: a Microsoft, hoje, em franco declínio, vive de golpe de venda desleal.
    Caramba! O que já foi a Microsoft!!!

  7. Bruno Barroso Says:

    Prezado, sou estudante de direito e concordo que tal ato seja venda casada, porém pretendo fundamentar e colocar a prova esta tese em um Artigo Cientifico, poderia entrar em contato comigo por e-mail, bem como me enviar o número do processo?


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